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MUDANÇAS CLIMATICAS NO ACRE: EM ANALISE A PERCEPÇÃO LOCAL
Érika Mesquita

Resumo
Analisaremos as percepções das atuais mudanças climáticas sobre os povos da floresta
amazônica, especificamente sobre os habitantes do município de Assis Brasil, localizado no Alto Vale do Rio Acre, local mais agredido pela ultima seca no Estado. Buscaremos assim analisar como os moradores desta região de forma local vêm sentindo as mudanças do clima, fenômeno que vem ocorrendo de forma globalizada. Verificamos como as populações tradicionais e pseudo-urbanas compreendem este fenômeno num âmbito de suas vidas diárias, das transformações sentidas, e de suas atuais percepções.
Introdução

Dos sistemas naturais que caracterizam o espaço geográfico, o clima é o que mais afeta
os seres humanos de um modo geral, e dos elementos climáticos mais conhecidos, os que mais afetam o homem, são, indubitavelmente, a radiação solar, a pressão atmosférica, o vento, a temperatura e a precipitação. Portanto, verificamos conforme as atuais pesquisas científicas que as transformações climáticas no planeta têm ocorrido, basicamente, pela ação do homem, através da queima de combustíveis fósseis, derrubadas de florestas e da poluição em geral que levam ao aquecimento global e A maioria da população terrestre vive em ambientes artificiais e que, em função disso, perderam seu contato direto com a Primeira Natureza, no qual utilizava o instinto como meio de sobrevivência, não assimilando do mesmo modo a dinâmica do planeta Terra, especialmente a atmosférica, que o afeta de forma psico-fisiológica. Ao contrário destas populações trabalharemos com indivíduos que estão intrinsecamente ligados com a denominada Primeira Natureza e, portanto, sob uma outra lógica de subsistência e de relação com os processos dinâmicos de degradação da natureza global sob a ótica local. Atribui-se, assim, à vida moderna o fato de o homem não compreender a dinâmica natural do planeta, e a partir disso, as mudanças climáticas globais são consideradas como um processo inerente às ações antrópicas, levando, ao caos que a humanidade vive no 1 Em contrapartida a sociedade e alguns órgãos ambientalistas têm se organizado na tentativa de minimizar esses impactos ambientais na forma de políticas de preservação e tecnologias que não agridem o meio ambiente. mundo contemporâneo, o que alguns autores chamam de crise de percepção ambiental. Estudaremos como se dá este fenômeno em meio às populações tradicionais, como os seringueiros, indígenas e mesmo populações pseudo-urbanas do sudoeste amazônico, mais especificamente em Assis Brasil – AC.
As pequenas cidades da Amazônia Acreana

Falar em pequenas cidades amazônicas é tocar na grande diversidade de municípios que
compõem a região do Estado do Acre, com municípios que possuem grande extensão territorial e, muitos deles baixíssima densidade demográfica. São municípios que se localizam as margens de rios e estes fazem o papel de vias de comunicação. Essas cidades constituem lugares em que pulsam modos de vida que diferem significativamente do padrão caracterizado como urbano predominante em outras regiões do Brasil, pois a vida nestas pseudo-cidades2 se dá pela ligação entre o rio e a floresta. Ao conhecer Assis Brasil, pseudo-cidade do sudoeste da Amazônia Acreana, a impressão que se tem a primeira vista e de improvisação de tudo, do local onde param os barcos até os arruamentos e equipamentos urbanos inexistentes ou inadequados. A fisionomia da cidade possui uma aura de inércia e de que tudo por ali é temporário, inacabado ou precocemente deteriorado. A interpretação que se pode dar às pequenas cidades perdidas na imensidão dos rios e da floresta muitas vezes é fugidia, pois busca parâmetros lógicos que nem sempre são capazes de explicá-las. Mas por outro lado, percebemos as raízes caboclas dos povos da florestania, preciosos arquivos culturais do mundo amazônico. Logo de cara notamos que para compreendermos qualquer processo em Assis Brasil, devemos considerar os rios e a floresta e sua interpretação pelos habitantes do lugar como ponto de partida. Percebemos que Assis Brasil é uma pequena cidade de âmbito local, com atuação restrita a municipalidade e cuja articulação imediata se dá em subordinação à cidade de Brasiléia com um nível hierárquico superior e de proporções significativas e aceitáveis do que se 2 Denominamos pseudo-cidades pois elas não tem a infra-estrutura de uma cidade nos parâmetros do IBGE. Encontramos também neste debate, José Eli da Veiga (2002) que considera o Brasil como sendo mais rural do que se apresenta. Seus parâmetros analíticos estão das bases de dados populacionais dos então municípios e no seu desenvolvimento sócio-econômico. Ele entende que muitos municípios brasileiros com menos de 20 mil habitantes deveriam ser denominados vilas e não municípios, pois não teriam condições básicas para tal. O autor ainda cita a Lei 311/38 de 1938 que vigora até os dias atuais, que foi criada para que fosse retirada do Brasil toda a aura de ruralidade que pairava nos idos das décadas de 40 e principalmente 50. O intuito ressalta Eli da Veiga, era mesmo urbanizar o país. Atualmente a federação, em sua acepção, deveria rever essa legislação, e assumir orgulhosamente, até tendo em vista maiores auxílios e incentivos por parte do Governo Federal à essas “cidades”, a identidade de um grande país mais rural do que urbano. entende por cidade. Brasiléia é uma cidade com melhor infra-estrutura urbana com um maior número de ruas pavimentadas, hospital equipado com UTI3, água encanada e rede de esgoto, além de ser comarca judiciária e religiosa da região. Assis Brasil apresenta essa contradição, característica das pequenas cidades desta região: são articuladas a relações pretéritas apresentadas pela inércia e, ao mesmo tempo, articuladas a dinamicidades contemporâneas que as ligam ao mundo, especialmente a partir da biodiversidade e da sociodiversidade. Essa contradição, não exclusiva da Amazônia, possibilita as simultaneidades nas inovações e sinais da modernização na paisagem especialmente ligados à comunicação, e aos equipamentos, vindos do Governo Estadual para os seringueiros e pequenos agricultores como é o caso
Fundamentação teórica dirigida ao estudo da percepção ambiental sobre as
mudanças climáticas

O clima, como sistema natural de maior repercussão na vida do homem, é entendido por
Max Sorre na década de 1950 como a sucessão habitual dos tipos de tempo sobre uma determinada região e seu estudo por um tempo de 30 a 35 anos. Cada tipo de tempo tem uma característica intrínseca que provoca diferentes reações de regozijo nos seres humanos, seja de horror, como furacões, ou de euforia, como uma brisa em um dia abafado. De uma forma mais teatral, Orr Jr. (1966: 131) coloca que: “O tempo é um drama em eterna representação, do qual somos o auditório fascinado. Com a atmosfera inferior como palco, o ar e a água como personagens principais, e as nuvens como indumentária, os atos do tempo são apresentados continuamente em algum lugar em redor do globo. O texto é escrito pelo Sol; a produção é dirigida pela rotação da Terra; e, como nenhuma cena de teatro é representada duas vezes da mesma maneira, cada episódio do tempo é interpretado com ligeira diferença, cada um assinalado por um traço de personalidade”. Nesse sentido, entender essa secessão dos tipos de tempo, bem como entender o meio ambiente através da percepção sob o qual vive o ser humano tem sido uma tarefa inerente e automática a ele desde os tempos pré-históricos. Os seres humanos, ou o homem, inseridos num espaço geográfico regido tanto por sistemas naturais quanto por sistemas artificiais e sociais, recebem, ou são bombardeados, constantemente, por 3 Em Assis Brasil, mas pudemos detectar que possui um hospital e dois postos de saúde, sendo que o único hospital possui três médicos, que também atendem os postos de saúde e não possui UTI, nem sala equipada para cirurgias, apenas para parto normal e pequenos procedimentos ambulatoriais, partos cesariana e até mesmo fraturas são encaminhados para o hospital de Brasiléia, casos ainda mais graves são encaminhados para a capital, Rio Branco. informações, que são captadas através dos órgãos do sentido, e estas, são transportadas ao cérebro, às vezes, não perceptíveis diretamente, por causa da inúmera quantidade de informações recebidas de uma única vez, mas o cérebro, costumeiramente, as assimila, contribuindo para o processo sensitivo/perceptivo/cognitivo do homem (Oliveira, 1998). Nesse sentido, a percepção do ambiente que circunda o ser humano, causando-lhe uma sensação, segundo Oliveira (op. cit.), é originária de um “estímulo físico sensorial” que se subdividem em filtros mentais, que a autora coloca como: “Os filtros instintivos. que tem a ver com as necessidades biofísicas, tais como alimento, sono, proteção. Os filtros psicológicos. quando as ocorrências se repetem várias vezes da mesma maneira, psicologicamente acreditamos que os eventos se repetirão sempre assim. Os filtros culturais são as informações, ou conhecimentos, transmitidos e acumulados ao longo das gerações”. Dessa forma, através dos filtros de percepção ambiental, o homem pode olhar, refletir e entender o funcionamento do mundo em que vive, em especial o natural, e a partir disso, julga tal funcionamento numa escala de valores, cujo critério de importância são “os níveis de satisfação que obtemos, do meio ambiente, ao comparar com as sensações captadas Nesse sentido, a percepção é única e intransferível ao ser, pois ela depende do grau de cultura, e ainda, é temporal e vivenciada, ou seja, quanto maior o convívio com determinadas informações ou espaços, maior o processo cognitivo, que é o processo de aprendizagem com as percepções do meio circundante ao ser (Tuan, 1983). Cada ser humano vê o mundo de forma diferente, e cada ser humano percebe o mundo diferente e formula leis cognitivas diferentes (processo cognitivo), logo, repassar esse conhecimento a outras pessoas, é uma tarefa árdua, ainda mais se tratando da alteridade, e do outro, com suas singulares percepções adquiridas da convivência fenomenológica com seu meio. A temporalidade, ou seja, o tempo que a pessoa consegue lembrar uma ação sofrida, realizada ou, essencialmente, vista é outro fator que contribui no processo de percepção ambiental, e essa, ainda, depende da grandeza e ordem do fenômeno sofrido, que pode ser positivo ou negativo. As grandes secas, as queimadas não controladas, e os grandes desmatamentos com a conseqüente perda da caça e da pesca em função destes processos, são mais sentidos do que a diminuição ou o aumento de uma dada população de animais, decorrente de uma desorganização da cadeia alimentar, resultado desta devastação. Por exemplo, o crescimento da população de ratos e pragas nas lavouras, ou a demora maior na maturação de determinada espécie de vegetal é menos percebido do que grandes eventos catastróficos da natureza, como por exemplo No geral, o ser humano assimila melhor as experiências negativas sofridas, ligadas ao processo do instinto humano – o qual o homem ainda não perdeu – , e é através deste instinto de sobrevivência que o mecanismo de defesa do homem se liga (Santos; Machado, 1998). A percepção ambiental humana, atribuída aos órgãos dos sentidos, tem na visão o principal órgão que reconhece e assimila os acontecimentos naturais, lembrando mais uma vez que são as experiências negativas do indivíduo as mais Acho oportuna a observação de Augustin Berque (1998:87) que observa: “(.) o que está em causa não é somente a visão, mas todos os sentidos; não somente a percepção, mas todos os modos de relação do indivíduo com o mundo; enfim, não é somente o indivíduo, mas tudo aquilo pelo qual a sociedade o condiciona e o supera, isto é, ela situa os indivíduos no seio de uma cultura, dando com isso um sentido à sua relação com o mundo”. Assim, o grau de vivência em determinado local, por fim, é outro fator que contribui para o processo perceptivo do homem. Nesse sentido que Merleau-Ponty (1996) ressalta que: “(.) tudo que sei do mundo, mesmo devido à ciência, o sei a partir de minha visão pessoal ou de uma experiência do mundo, sem o qual os símbolos da ciência nada significariam. Todo universo (.) é construído sobre o mundo vivido (.) A ciência não tem e não terá jamais o mesmo sentido de ser que o mundo percebido, pela simples razão de que é sua determinação e sua explicação”. Assim, cabe ressaltar que o homem nada mais é, em seu ser e essência, do que um ser que é fruto de suas experiências vividas e aprendidas, e o modo como este aprende interfere na percepção e cognição ambiental julgando as informações aprendidas. A mídia enfoca principalmente que as mudanças ambientais globais ocorrem em função do aumento das temperaturas, das enchentes e dos furacões, ou seja, transformações ocorrentes nos elementos climáticos de maior repercussão no âmbito mundial, que muitas vezes não interfere ou interfere indiretamente na condição climática local4. A questão é como são sentidas e percebidas essas mudanças climáticas, – reflexo das grandes transformações no clima do planeta – em âmbito do local, da vida do lugar? 4 Ao se estudar o clima através da ótica geográfica, deve-se estar atentamente ligado à escala de análise, que pode ser microclimática (escala local), topoclimática (clima urbano), mesoclimática (escala regional) e macroclimática (escala global). Abordaremos nosso estudo tomando por viés de análise a escala local, mas não a estudando sob a abordagem geográfica e sim antropológica: como as mudanças climáticas que vem ocorrendo no Alto Vale do acre vem sendo percebidas na vida da população que vive no local, delimitando nosso estudo pelas populações urbanas e pseudo-urbanas de Assis Brasil – Acre. Nesse sentido, as populações tradicionais ou o homem ligado à natureza acaba inferindo que o “clima”, por exemplo, não é o mesmo de antigamente em função de mudanças que ele próprio tem sua maneira de elencar e entender, a mesma conforme suas experiências Outro fator que auxilia na compreensão do conhecimento de que as mudanças climáticas globais estão ocorrendo no que Vide (1990) chama de “Clima Real e Clima Percebido”, ou seja, no meio não-urbano as pessoas observam e percebem melhor o clima quando este lhes convêm, ou seja, na época das chuvas, que é ligada ao plantio de tal cultura, ou na época da seca, período de preparação do solo, e quando essas atividades não são realizadas devido a ação de mudanças na ocorrência de tal o qual clima, ou mesmo em modificações de suas tarefas devido ao aspecto climático. Assim, colhemos que todos os moradores entrevistados em Assis Brasil, nossos informantes privilegiados disseram que o clima local modificou muito principalmente nos últimos 10 anos. Percebemos que a grande seca de 2005 na Amazônia e as queimadas que ocorreram na região Acreana foram citadas com grande ênfase. Contextos de Vivência Local

A região, como já foi mencionado, é povoada por indígenas: Jaminaua e Manchineri,
moradores das margens e cabeceiras dos Rios Iaco e Acre, pelos seringueiros, caboclos5 e não caboclos, e pelos vindos de fora. As comunicações são efetuadas através de canoeiros e canoas, pois o rio é por onde navega o fluxo de informações e mercadorias, além dos rádios amadores que praticamente cada casa de ramal e aldeia indígena possui. Ainda sobre a antropogeografia, boa parte da vida é balizada pela dinâmica dos rios e estações do ano da região. De acordo com Postigo (2003), as estações do ano, uma seca, de junho a setembro, chamado verão e outra chuvosa, de outubro a maio, denominada por inverno ditam a dinâmica das comunicações no Alto Vale do Acre. Os rios no inverno e os caminhos de terra no verão são os fluxos. Os fixos da região seriam os ramais, as colocações6 e as colônias, que englobam desde a casa de morada até os roçados, a floresta e os seringais. Podemos denominar os fixos como espaços sociais importantes que variam conforme a escala de significados para 5 De acordo com Câmara Cascudo (1974), o termo caboclos é utilizado para aqueles descendentes de indígenas da região. 6 Colocação se caracteriza por uma unidade residencial, que engloba a área dos seringais, destinada ao trabalho. De acordo com Carneiro da Cunha e Almeida (2002) a colocação incluía a casa, o terreiro, os roçados e uma porção da mata onde se localizavam as estradas de seringa e as áreas de caçadas. cada família, para cada vila e para a região. Vale dizer que tanto os fixos quanto os fluxos estão em constante processo de transformação. Os fluxos são norteados pela dinâmica natural, longe de querer propor um determinismo geográfico, trata-se de mostrar como a vida cotidiana está relacionada com o meio físico-geográfico e suas variações. Observa Marcel Mauss (1974), não podemos aceitar os argumentos de determinação geográfica- ambiental da organização social, ao mesmo tempo em que não podemos deixar de reconhecer que são sobre determinados e diferenciados meios que as sociedades erguem seu modo de vida e suas representações, sendo legitimo assim falarmos então de Outra forma de analise dos fluxos e fixos, na região, é observar pelo viés das materialidades e imaterialidades. Materialidades seriam os modos de vida de seus habitantes, como por exemplo, os materiais utilizados no cotidiano, os lugares, os ramais, os rios, as casas, etc., e as imateralidades se caracterizam pelos aspectos abstratos e simbólicos que fazem parte do todo cultural, como a ciência da caça, da pesca, da relogiosidade, etc., os encantados, a caipora, a panema7, a pauta8 seriam alguns exemplos das imaterialidades que constituem a dinâmica do mundo da vida local. Outro contexto local é o laço de vizinhança, no qual se pratica a troca de alimentos na região (Carneiro da Cunha e Almeida 2002). Esses aspectos compõem a especificidade da região e averiguaremos como se relacionam e se apresentam, tendo em vista a nossa proposta de estudar as transformações climáticas sob as percepções dos habitantes da floresta, no município de Assis Brasil. No Vale do Alto Acre seus habitantes convivem com a cidade e a floresta interligadas pelos rios. Entrementes, para o habitante de Assis, as florestas constituem uma espécie de território conhecido, os ramais também. Existem áreas de territórios particulares e coletivos, que possuem fronteiras estabelecidas e espacialidades. As áreas conhecidas das florestas e matas podemos denominá-las de lugares conquistados, ainda que esses lugares possam transcender os limites legais de sua propriedade. A questão do extrativismo para os camponeses de Assis, nos dias atuais, não é mais tratada como o único ou o principal componente de produção. Assim, o extrativismo apresenta-se no interior da unidade de produção familiar como um dos componentes que integram o sistema de produção local, como a produção agrícola e produção de leite e de queijo e a pecuária. Essa visão do extrativismo reafirma que os seringueiros ou 7 Pode-se interpretar como sendo o azar nas caçadas, é o insucesso para caçar. 8 São pactos realizados entre o caçador e a “mãe da caça”, utilizando amuletos e encantamentos para que este possa conseguir ter sucesso na caçada. camponeses amazônicos desenvolvem atividades polivalentes – são agricultores, criadores e extrativistas (de produtos vegetais e animais). O extrativismo, como todas as outras atividades, insere-se no calendário da produção camponesa que, também e em última instância, é subordinado ao movimento cíclico das águas. Aqui, não devemos considerar essa atividade como uma prática acessória da economia camponesa, mas como uma das formas de trabalho desses atores sobre o ambiente que habita, procurando realizar sua vida e a de sua família. Nas circunstâncias da vida camponesa, a economia da farinha – fundamental como valor de uso e, eventualmente, como valor de troca – funciona de maneira similar a um movimento circular contínuo: de um lado, alimenta internamente a unidade de produção familiar e, de outro (quando comercializada), traz, do mundo externo à vida camponesa, recursos monetários, estimulando, assim, entre outras atividades, a do extrativismo, o que acaba reforçando atividades da roça (em particular, a da mandioca) e da farinha, como o Alto Juruá. Em Assis Brasil, o extrativismo ainda que menor, quando comparada às outras, é em conjunto com a atividade agrícola uma atividade geradora de renda para unidade de produção familiar. Mas são poucas as famílias que continuam com o trabalho do fabrico da borracha, no município atualmente somente do três ramais encontramos esta atividade, mesmo assim em apenas uma casa de cada Ramal, no ramal do Icuriã, no
Contextualizando o lugar: Assis Brasil
Assis Brasil está situada entre os rios Acre e Iaco, cuja emancipação se deu em maio de 1976, anteriormente pertencia ao município de Brasiléia. Antes de ser elevada a categoria de um município era conhecida como Seringal Paraguaçu, sendo desbravado por três irmãos vindos do nordeste, em 1890, sendo eles: Belarmino Freire, Durval Freire e Policarpo Freire. Em maio de 1958 quando passou a ser vila, teve seu nome mudado pelo então governador a época Valério Caldas Magalhães, para Vila Assis Brasil em homenagem a Joaquim Francisco de Assis Brasil, político e diplomata que negociou juntamente com o Barão de Rio Branco, Ministro de Estado das Relações Exteriores, a compra do Acre do governo boliviano. Foi de sua responsabilidade, ainda, a redação do Tratado de Petrópolis que definiu a posse desse território pelo Brasil. (Araújo, 1999) Assis possui uma área de 2.884,2 Km², em parte desta área se encontra a Reserva Extrativista Chico Mendes e áreas indígenas demarcadas dos povos Manchineri9 e Jaminaua10. O município possui uma população total de 4.852 habitantes. (IBGE, 2002). Devido a essas características ímpares, de possuir uma população de caboclos e indígenas, seringueiros e agricultores, além da população da “cidade”, e uma densidade demográfica relativamente baixa, o escolhemos pois entendemos que melhoraria o detalhamento de nossa pesquisa, e também pelos fenômenos climáticos ocorridos na região nos últimos anos, em especial em 2005, escolhemos Assis Brasil. Memória da Natureza: os fenômenos climáticos, passado e presente
Memória da natureza, os fenômenos climáticos percebidos pelos habitantes de Assis, fenômenos estes de outrora e atuais é o que pretendemos analisar. É a territorialidade dos moradores que guardam a memória da natureza em Assis Brasil, pois são nesses lugares que o vivido, as lembranças e a saudade se materializam. Verificaremos como apresentava o ambiente stritu para os moradores de Assis Brasil e como as mudanças climáticas e a atual paisagem é percebida pelas diversas populações que habita o município. Antigos moradores do lugar são expectadores do passar dos anos na região, são atores privilegiados que assistiram a muitas mudanças sociais, econômicas e principalmente naturais. São depositários da memória da paisagem pretérita e importantes expectadores da paisagem atual, assim vivificam o passado e tentam compreender o presente. As representações constitutivas da memória não são reproduções, mas reconstruções do real. A história de vida trazida pela memória é texto ancorado na realidade social e histórica. Dessa forma, pode ser pensado a partir das condições de sua produção — os processos históricos e a sociedade — e pelo que manifesta internamente quanto ao modo de agir e modo de ser. Pensada a memória como um texto que se produz no presente, que é atualizada pelos estímulos do presente, as condições de sua produção têm a ver com os quadros sociais da memória. Assim há necessidade de ter a quem se referir para localizar lembranças, para conferir informações, para recuperar saberes e paisagens vividas. Diferentes concepções de paisagens estão intimamente relacionadas a projetos, interesses, formações, subjetividades e visões de mundos distintos. Essa bagagem cultural é dinâmica. Assim, as representações sobre a paisagem possuem historicidade, mudando ao longo do tempo. Trataremos de uma apropriação simbólica da natureza, através das ferramentas da percepção e memória. 9 Área de 18.870 ha. Dados da FUNAI, 26 de outubro de 1990. 10 Área de 76.680 ha. Dados da FUNAI, 21 de outubro de 1997. Lembrando que de acordo com Marcel Mauss: “as almas estão misturadas com as coisas, às coisas estão misturadas com as almas” (Mauss, 1974: 92). E na acepção de Bachelard (Bachelard,1989:242) “(.) toda a imagem simples revela um estado de alma”, nesse sentido a memória, as coisas e as pessoas comungam de uma mesma substancia, a alma Os achados
Escolhemos Assis Brasil devido suas características singulares de estar na maior floresta equatorial e que vem sofrendo com as mudanças climáticas in loco. As mudanças climáticas são percebidas por praticamente toda a população de Assis Brasil que é de 4.85211, sendo 240 pessoas Jaminawa e 480 Manchineri. Os indígenas interpretam de uma forma mais mítica essas mudanças, deixando claro que a maioria remete ao “homem branco” todas as mazelas que ocorrem com a natureza de maneira geral. Dentre os seringueiros descobrimos alguns dados de sua simbologia para decodificar a natureza e o clima, e assim são interpretados: Urubu voando baixo é sinal de tempestade e quando canta também; Folhas de laranjeiras viradas para baixo é sinal de chuva; Se as gotas d’água permanecerem nas folhas é sinal que a chuva vai continuar; Um círculo envolta da lua é sinal de seca; Para algumas pessoas é o contrário: um círculo envolta da lua é sinal de chuva. A questão aqui pelo que podemos observar é a cor e intensidade do círculo; Cerração baixa é sinal de seca e alta de chuva; Saracura quando canta é sinal de chuva; Quando baixa bem a água do igarapé é sinal de chuva; Para eles é mais fácil observar as mudanças do clima longe das cidades, na mata é mais fácil, pois a natureza revela, segundo o Sr. Francisco Felipe Amorim “é só saber interpretar” (79 anos, ex-seringueiro, nascido em Paus de Ferro – CE). Os “estilos de vida”12 vem se modificando por que a natureza esta dando os sinais, exemplo a seca de 11 De acordo com senso de 2002 do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 12 Estilos de vida, de acordo com Bourdieu (1989) produtos sistemáticos do habitus de indivíduos ou grupos sociais. 2005. Para o Sr. Francisco num local que nunca havia ocorrido assim, diz: “parecia o que a gente vê na televisão do nordeste, eu sou do Ceará, mais vim pra cá de menino e não lembro bem como era as coisas por lá”. (depoimento colhido em julho de 2006, Assis Brasil). Muitos de nossos entrevistados e principalmente as autoridades, remetem a seca e as queimadas na região (fotos 1 e 2). Conversamos com Silton Melo Gonçalves, secretário do Meio Ambiente de Assis Brasil e ele revela que a seca naquela região foi realmente muito séria e toda Assis Brasil sentiu seus efeitos. De acordo com Foster “O verão amazônico de 2005 passou a ser considerado atípico devido à seca do rio Acre, que alcançou a menor cota de volume dos últimos 34 anos, 1,64 cm, quando a média para o período é de 2,30 cm; além disso, o Estado registrou baixa umidade umidades relativa do ar, chegando próximo dos 30%, quando o aceitável pela Organização Mundial de Saúde é de 50%. Os ventos fortes, a alta temperatura e a ausência de chuva, que perdurou por quase dois meses, também contribuíram para que o Estado ficasse na também na eminência de incêndios florestais”. Estudos realizados pelo Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC) em parceria com o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) apontam as possíveis causas da seca rigorosa que atingiu a região sudoeste da Amazônia e o Estado do Acre. Segundo os pesquisadores, a estação chuvosa em 2005 apresentou chuvas de até 350mm, valores menores que a média histórica. Isto contribuiu para que os níveis dos rios desta região estivessem com valores bem abaixo da média no início do verão. Ainda “Um dos possíveis fatores responsáveis por esta seca intensa de 2005 estaria provavelmente relacionado ao comportamento médio da temperatura da superfície do mar (TSM) nos últimos meses na bacia do Atlântico Tropical Norte, que tem se apresentado mais quente que o normal nos últimos 12 meses. Como é característico desta época do ano, o movimento ascendente do ar que normalmente ocorre no Atlântico Tropical Norte, (.) está mais intenso este ano e a zona de convergência intertropical ainda está no Hemisfério Norte. Conseqüentemente, esta intensificação da circulação atmosférica faz com que os movimentos descendentes especialmente sobre o sudoeste da Amazônia sejam mais intensos do que a média, o que dificulta a formação de nuvens e, portanto, de chuva na região. Adicionalmente, nos últimos dois meses a seca tem se agravado devido ao anticiclone do Atlântico Sul que se tornou mais intenso, estendendo-se até o continente e gerando uma região de estabilidade atmosférica que não favorece a formação de chuva no Sul da Amazônia”. Somado a tudo isso, os pesquisadores do CPTEC (2006) ainda acreditam que a estiagem prolongada pode estar ocasionando um efeito local, em algumas regiões da Amazônia, como é o caso do Acre, que seria “a diminuição da reciclagem de vapor d’água pela vegetação devido à própria estiagem, reduzindo ainda mais as chuvas. Além disso, a queima da biomassa que produz fumaça pode alterar a física da formação de chuva no sul da Amazônia, e possivelmente adiar o início da estação chuvosa”. Toda essa explicação técnica faz sentido aos cientistas e pesquisadores de tal evento, bem como são sentidas pelos moradores no seu cotidiano em Assis Brasil. Foi salientado pelos moradores a falta d’água, fenômeno atípico na região e doenças pulmonares, por causa da baixa umidade do ar e da fumaça proveniente das queimadas. Segundo o prefeito do município, Sr. Manoel batista de Araújo, houve um aumento significativo de atendimentos ambulatoriais e médicos por causa da seca, os velhos e as crianças foram aqueles que mais sofreram com a estiagem. Ele ainda não tinha na data desta pesquisa de campo os dados, mas acreditava ter crescido a procura em no mínimo 30%. Já para os Jaminawa, de acordo com o cacique José Batista Jaminawa, todos sofreram com a seca: ”(.) porque os rios e igarapés quase secaram, tinha o fogo que pegava do nada, e as crianças ficaram doentes (.) a mata sofreu e não tinha caça (.) o povo Jaminawa sofreu e sofre”. (depoimento, agosto de 2006, Aldeia Betel – Assis Brasil – AC). Praticamente todos nossos entrevistados referem-se a seca de 2005 como um fenômeno atípico no local. Os mais velhos são aqueles testemunhos dessa mudança, falam e sentem mais os Referências Bibliográficas
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Source: http://iri.columbia.edu/~taddei/Secas2005/Erika.pdf

Tratamento_fonoaudiologico_precose

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