“O público e os actores devem respirar em conjunto, ouvir em conjunto. Dizer as coisas ao mesmo tempo. Prefiro um teatro em que o público se incline para a frente para ouvir do que um em que o público se incline para trás porque há demasiado barulho no palco.” Setembro 2002
lars norén: um mundo sedutor que conhecemos bem de mais - o inferno lennart HJulströM e ulrika JosePHsson em 1973, Lars Norén estreia-se como autor dra- «do amor»
mático, com O bajulador do soberano, encomenda do teatro Dramaten de Estocolmo. Foi um fracasso, certamente doloroso para o autor, já muito apreciado
de lars norén
por toda uma geração que se revia nele. Talvez se ti-vesse enganado ao situar a acção nos séculos XV e XVI, numa Europa entre Itália e Alemanha. Talvez a sua visão e as suas provocações, por vezes muito cruas,
Solveig Nordlund, de nacionalidade
não tivessem sido compreendidas. No entanto, quan-
sueca mas há décadas familiarizada
do foi levada à cena novamente nos finais dos anos
com Portugal, realizadora de cinema,
80, a peça tornou-se num grande êxito.
pintora, e também encenadora, é já lars norén voltou um dos criadores habituais do TMA. Aqui dirigiu Uma peça de teatro, de
tro com peças contemporâneas, ancoradas na sua
Erland Josephsson, Os antílopes, de
autobiografia e submetidas à sua iluminação parti-
Henning Mankell, Contracções, de Mike Bartlett. No Festival de Almada a primeira destas peças de 2010 dirigiu La musica, de Mar-guerite Duras, com Manuel Wiborg e
é de 1978, assim como Acto. Foram publicadas em
1980 juntamente com uma terceira peça, Orestes, até
Estes dois mesmos actores partici-
agora o seu último regresso a um mundo mítico e
pam na próxima produção dirigida
amor, de Lars Norén. O espectáculo é abandonando, pelo menos aparentemente, a poe- uma co-produção da Companhia de
sia e o romance, Lars Norén já não escreve a não ser
Teatro de Almada com o Festival das
para o teatro, a rádio ou a televisão, e a sua produção
Artes de Coimbra, cujo tema, na edi-
é abundante. As peças sucedem-se, separadas por
ção deste ano, é “As paixões”. Além
lo romântico: Lilás, neve. O segundo,
ligeiros intervalos e apresentando muitas vezes, apa-
de Manuel Wiborg e de Carla Maciel Resíduos verbais de um esplendor
rentemente, conflitos idênticos sob uma luz um pou-
participam na produção Joana Bárcia, passageiro, escrito no ano seguinte,
co diferente. Tudo é ao mesmo tempo indispensável
dá a conhecer uma outra sonoridade. Composto por
e inevitável, e conduz-nos a uma espécie de “tempo
poemas fracturados, unidos de forma quase compul-
real” mas de um nível superior, de uma intensidade
siva, de tal forma que mal se conseguem distinguir
que não esmorece, onde cada palavra conta, trans-
uns dos outros. As imagens mais inesperadas afron-
portando consigo a sua nuance e a sua ferida. Ou en-
tam-se, regressam e confundem-se entre o desgosto
tão, poder-se-ia dizer que para Lars Norén o tempo
um teatro do silêncio
e o desespero, que convivem com a presença de uma
revolta e de uma vontade selvagem de viver.
e do não dito nova mudança na obra de Norén (alguns jornalis- aos vinte anos, o hospital psiquiátrico. Diagnós-
tas escreveram mesmo que foi uma mudança para
tico: esquizofrenia. Tratamento: hibernação e choques
todo o teatro sueco): Categoria 3.1 (1997), epopeia
eléctricos. Não pára, no entanto, de escrever. Depois
teatral que retrata uma parte sombria da nossa socie-
Realizadora de cinema. Encenadora. Pintora.
de Salomé, as esfinges (1968), composto de reflexões,
dade. Foi uma das produções mais polémicas na Sué-
vem Revólver (1969), onde surgem os temas políticos.
cia dos anos 90, e foi igualmente filmada pela televi-
Em Poemas solitários (1972), fala sobre a vida quo-
são sueca. Norén sai dos estreitos círculos familiares
tidiana, solitária e paradoxalmente comum, absurda,
para ir para as ruas de Estocolmo, onde encontramos
detestável e maravilhosa. A forma torna-se mais sim-
os mais desfavorecidos, aqueles que nunca tiveram
Dois casais da mesma idade, entre os 30 e os
40 anos. Um casal tem um filho, o outro pensa em adoptar. Durante umas férias que passam
ples, mais firmemente organizada. A palavra é também
voz na Suécia moderna. O teatro de Norén torna-
juntos, nas Ilhas Canárias, a mulher do primeiro casal
mais abundante mas ao mesmo tempo mais lacónica,
-se “sociológico”: aborda a tragédia das sociedades
e o homem do segundo casal apaixonam-se e iniciam
as imagens mais breves adquirem uma nova autorida-
contemporâneas, os abismos e a grande miséria das
uma relação. Começa um período de mentiras até os
de. As colectâneas de poemas de Norén sucedem-se
divórcios serem inevitáves e o casal apaixonado estar
quase de ano a ano, culminando num emotivo poema
finalmente livre para «o amor». Só que é uma ilusão.
de amor, O coração no coração (1980). este diálogo familiar e agressivo, cada vez mais
insinuante e brutal, este diálogo do dia-a-dia, Norén
Do Amor é o mais recente texto dramático de Lars
já o tinha capturado nos seus romances, as tonali-
Norén. Como é habitual nas suas peças, é repleta de
romancista e autor dramático
dades “realistas” – vocabulário e ritmo. Nestas pe-
diálogos mudos. As personagens são pessoas que
ças, os primeiros passos psicológicos conduzem
têm dificuldade em se exprimir e que se encontram
entretanto, Lars Norén também se dedicou ao ro-
rapidamente a um estado visionário. Através de in-
em situações tão íntimas que basta uma palavra ou o
mance, publicando em 1970 Os apicultores. É a ima-
sinuações, armadilhas e ataques repentinos, esta lin-
início de uma frase para que se intua o resto do texto.
gem febril, amarga e alegre, de uma juventude que
guagem é feita para se reconhecer em nós, no nosso
O verdadeiro sentido está, pois, nas entoações e nos
vive de pequenos roubos, de mulheres, de droga e de
falar quotidiano, expresso ou subconsciente, e nos
silêncios dos actores, na imaginação e interpretação
implicar neste mundo sedutor que nós conhecemos
do espectador. É naturalmente um desafio passar to-
dos estes não ditos para o palco. Desde que me es-
deveria ser o primeiro volume de uma trilogia. O
treei na encenação com A noite é mãe do dia, de Lars
segundo, Num céu subterrâneo (1972), não é uma con-
actualmente, Lars Norén é o Director artístico do
Norén, em 1999 que desejo voltar a trabalhar um tex-
tinuação mais sim uma outra vertente: o centro da ac-
Folkteatern de Gutemburgo, juntamente com a drama-
to deste autor. Os textos de Lars Norén são cada vez
ção, a relação homossexual entre dois rapazes em que
turga Ulrika Josephsson. Entre 1999 e 2008 dirigiu o
mais minimalistas, mais silenciosos. As personagens
o mais dominante também vive com uma rapariga que
Riksteatern, o teatro Nacional itinerante sueco. Esta
movem-se como sombras, substituindo-se umas às
se prostitui para ele. Se a escrita permanece alerta e rea-
instituição produz apenas espectáculos em tournée,
outras quase sem darmos por isso. Não é por acaso
lista, como no primeiro romance, a visão é obsessiva. O
de teatro (teatro clássico, moderno, infantil, etc.) de
que uma das suas peças mais recentes se chama Ra-
terceiro volume da trilogia nunca viu a luz do dia. pazes de sombra. É muito cinematográfico.
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