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DITADURA
“Ditador” tem a etimologia no dictator romano, uma magistratura que, em caso de crise grave, concentrava os poderes das demais. Ditador refere um homem ou um cargo e ditadura sugere uma organização política estável; usaremos ambas as palavras como se designassem um regime, sem que tal uso da palavra pressuponha a “Ditadura” e “ditador” são dos termos mais usados pelos filósofos e cientistas políticos; no começo do século XXI, eram-lhes feitas mais de um milhão de referências na World Wide Web, coligidas pelo motor de busca Google. “Democracia” era cinco vezes mais mencionada, mas “totalitarismo” era cinco vezes menos frequente. “Ditadura” estava na boca do cidadão comum, do político e do estudioso. “Ditador” é também dos termos mais polissémicos da análise política; designou, entre outros, Péricles de Atenas, Calvino de Genebra, Hitler da Alemanha, Estaline da Rússia e Idi Amin Dada do Uganda. É duvidoso que alguma relevância política una o expoente da democracia grega do século IV, o reformador cristão do século XVI, o “Führer” racista totalitário de uma nação industrializada e culta do século XX, o “czar” totalitário de um país comunista euro-asiático ou o chefe sanguinário de um pobre Estado africano, também do século XX. Esta polissemia está relacionada com o carácter polémico da palavra. Quando os regimes que designa são populares – como ocorreu entre as duas grandes guerras mundiais, de 1919 a 1939 –, a palavra “ditadura” é usada pelos seus defensores; quando são impopulares – como sucede no princípio do século XXI –, apenas é empregue pelos seus adversários. As situações materiais referidas pela palavra “ditadura” são diversas – e até opostas: a democracia ateniense e o totalitarismo russo – o que impede o exame empírico de revelar a compreensão do conceito. Para tanto, temos que pedir contribuições às Os autores, desde o final do século XVIII, designam por ditadura as situações políticas que concentram num homem – o ditador – os poderes executivo e legislativo e, por vezes, também o judicial; desta concentração resultava o sacrifício das liberdades individuais. Ditadura seria, então, qualquer situação política que não respeitasse a separação dos poderes da democracia parlamentar ou, mais genericamente, da democracia representativa. Para tal tese ser aceitável, é necessário que as situações de concentração daqueles poderes se assemelhem mais entre si do que com as de democracia representativa. Esta posição é, porém, insustentável: nos anos 1950, por exemplo, o “Estado Novo” português, uma ditadura, deveria ser mais semelhante à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), ou ao regime de Idi Amin, do que às democracias representativas da Europa DICIONÁRIO DE FILOSOFIA MORAL E POLÍTICA ocidental. Estes exemplos mostram o absurdo de tal tese. Acresce que ela define ditadura pela negativa: enuncia o que ela não é e esquece o que ela é – sendo por isso ilegítima quanto ao método, ainda que impressione pela retórica. Para averiguarmos se “ditadura” é um conceito ou apenas uma palavra, começaremos por caracterizar o dictator romano. Examinaremos a seguir o seu percurso no pensamento político europeu, referenciando a vida das instituições. Relancearemos em paralelo a atitude dos autores face ao tiranicídio, pois a condenação deste sugere a aceitação da ditadura. Veremos como do dictator emerge a “ditadura” posterior à Revolução Francesa. Anotaremos o problema da ditadura no cerne da democracia representativa. Teremos então os elementos necessários para dictator estava relacionado pela etimologia com “dicere” (dizer), termo este que contém “um mecanismo de autoridade”, pois dizer era nomear (Benveniste, 1969, p. 108); esta raiz surgia aliás noutros vocábulos políticos, como edictum. O cargo foi instituído logo no começo da República romana; era uma magistratura unipessoal e excepcional, só activada para enfrentar uma grave e inesperada ameaça, fosse ela interna ou externa; prevalecia sobre as restantes magistraturas. O mandato do dictator era por um prazo fixo e curto: seis meses. Era nomeado por um dos cônsules sob proposta do Senado, contida num senatus consultum; é inexacto que a nomeação pudesse ser feita sem a proposta senatorial, mas o cônsul tinha o direito de nomear pessoa diferente da proposta. A nomeação cabia apenas a um dos dois cônsules, para garantir a celeridade necessária ao carácter do cargo. A intervenção do Senado significaria que o dictator tinha que ser um patrício, e assim terá ocorrido no início do instituto; saber se mais tarde o populus interveio na investidura é uma das muitas dúvidas que ainda subsistem sobre o cargo. Os tribunos da plebe não podiam opor-lhe a provocatio (recurso) nem a intercessio (suspensão e eventual veto). O dictator deslocava-se precedido de 24 lictores – tantos como os dos dois cônsules –, empunhando os machados e os fascios; tinha direito à sella curulis, a cadeira do rei herdada pelos cônsules, e à toga pretexto, reservada aos magistrados curules, que tinham competência para julgar. Tal como o rex, o dictator era irresponsável pois não tinha que prestar contas do seu cargo; e, para usar uma terminologia desconhecida de Roma, tinha o poder de suspender os direitos políticos dos cidadãos. O dictator, apesar de irresponsável, conhecia limitações legais ao seu poder. Já vimos a principal: a magistratura estava submetida a um prazo fixo e era usual o seu detentor, para mostrar desapego ao cargo, demitir-se antes do seu termo. Tinha apenas o dinheiro que o Senado lhe dava. Não podia sair de Roma e – para não lembrar a marcha dos reis – estava proibido de andar a cavalo na urbs. Tentemos caracterizar o dictator. Os romanos não estavam de acordo quanto ao seu objectivo; Tácito acentua que ele defendia Roma do perigo externo e Dinis de Halicarnasso que protegia a aristocracia do perigo plebeu. Cícero considerava-o “semelhante” ao rei mas afirmava o mesmo do consulado (1994, II, 56). Shakespeare ecoa este modelo real (Julius Caesar). As fontes romanas encaravam o dictator com alguma incomodidade pois parecia que, para se defender, a República tinha que se tornar Monarquia, ainda que pro tempore. Com efeito, devido à concentração de magistraturas num só homem, o dictator lembrava o rei e, legalmente embora, subvertia a república aristocrática. dictator era o “estado de necessidade” previsto e organizado pela Constituição de Roma republicana, um estado no qual os direitos e liberdades eram sacrificados para enfrentar uma grave ameaça exterior ou interior. A magistratura de excepção contribuiu para o fim da República romana. As sangrentas ditaduras de Mário e sobretudo de Sila mostraram que o dictator era um magistrado ao serviço das facções empenhadas na guerra civil (começo do século I a.C.). Júlio César foi dictator, abusando da magistratura para legalizar o seu poder, e tornou-se o epítome histórico do cargo. Ficou desde então claro que “quem domina o estado de excepção, domina o Estado” (Schmitt, 1964, p. 49). O exemplo de César impressionou as gerações subsequentes: em momento de crise, um aristocrata sedutor aliava-se à plebe, à qual dava “pão e circo”, e estabelecia um poder “pessoal”, liquidando a República por meios legais. César foi o precursor do autocrata pessoalmente encantador, qualidade que Susan Sontag, noutro contexto, referiria como “fascinating fascism” (1983, pp. 305 e ss). César foi também percursor no modo como acabou o seu governo: foi assassinado. A ditadura, tendo começado pela violência, acabaria pela violência. O dictator desaparece com César: Octávio Augusto recusou o cargo. Já no Império, Marco Aurélio aboliu-o por lei; em seu lugar, o Senado passou a dar plenos poderes aos cônsules com a conhecida fórmula Videat consul ne Respublica quid detrimenti capiat (“o consul providenciará para que a República não seja prejudicada”). 2. Depois de Roma, poucas organizações políticas previram e institucionalizaram o “estado de excepção” ou “de necessidade”. Na Idade Média cristã não há a previsão de um estado de emergência constitucional e, por isso, o dictator é desconhecido. Aliás, a pátria da filosofia política, a Grécia clássica, desconhecera-o. Ao certo, há dois únicos casos de dictator após o fim do império romano: Veneza e Florença. A ausência não terá merecido a devida atenção dos historiadores das instituições e doutrinas políticas. Até ao começo do estabelecimento do Estado moderno europeu, no século XVI, faltava autonomia conceptual às figuras do dictator e do ditador moderno que aliás apenas seriam pensáveis em termos semelhantes aos da Grécia clássica. No século XIII, vigorava a oposição entre as organizações políticas rectas – monarquia, aristocracia, politeia – e as degeneradas – tirania, oligarquia e demagogia. O bom governo é misto, articulando, no interesse de todos os cidadãos, os princípios monárquico, aristocrático e democrático (Aristóteles, 1998, 1294a20-24); a monarquia, no sentido grego, é o melhor dos tipos puros de governo; a tirania o pior. S. Tomás de Aquino (1225-1274) recebera-a de Aristóteles. Para os medievais, o ditador, o detentor solitário de uma soberania injusta, seria o tirano dos gregos antigos. Mais exactamente, a ditadura corresponderia à “tirania branda” ou moderada (Aquino, 1937, I, VI). Para os medievais, se esquecêssemos a singularidade do titular do poder, a ditadura dos modernos corresponderia também a uma das duas outras organizações políticas degeneradas: a oligarquia, se fosse exercida por uma minoria; a demagogia (democracia, para outros autores), quando o seu titular fosse o Anotemos que na Hélade a palavra “tirano” era também aplicada no sentido histórico neutro de usurpador, o governante desprovido de título para aceder ao poder, ainda que o exerça legitimamente, no bem de todos; fora o caso dos substitutos violentos do rei quando a realeza agonizava (Aristóteles, 1998, 1310b). Carl Schmitt julga descobrir na Idade Média um conceito moderno de ditadura assente na plenitudo potestas e consistindo no exercício do poder imediato pela “cabeça”, sem recurso aos corpos intermédios da sociedade (1964, p.76). Estamos perante um anacronismo, pois a teoria política medieval, na sequência de S. Paulo, admitia a “cabeça” em lugar do “corpo” político, e não considerava essa substituição A antipatia dos medievos pelo dictator e pelo ditador ressalta da sua atitude face ao tiranicídio. S. Tomás de Aquino admitiu-o, pelo menos ao comentar uma frase de Cícero, sem a criticar (1947, p.222); no De regimine principis, condena-o numa base que permite também justificá-la: a da proporcionalidade entre os malefícios do tirano e os do tiranícídio (1937, I, VI). O imoderado gosto medieval pela ordem conduzia à rejeição da ditadura. dictator fascina os autores políticos a partir do Renascimento. Começa então a instituição do moderno Estado europeu – que ora é feito pelo fortalecimento de antigos reis ora pela emergência de condottieri, que são a primeira figura do É oposta a S. Tomás de Aquino a escala de prioridades de Maquiavel (1469- 1527), que louva a sabedoria de Roma ao instituir o dictator e felicita as repúblicas medievais italianas por nele se inspirarem: o ditador “instituído por ordens públicas e não pela sua própria autoridade fez sempre bem à cidade” (1513-1521, I, 34). Carl Schmitt irá buscar a sua “ditadura comissária” àquela categoria de ditador “instituído por ordens públicas”, pois o ditador é o comissário do soberano, e a “ditadura soberana” à exercida pela “própria autoridade” do ditador. O Príncipe é, pois, o manual do novo ditador soberano que emerge na desordem transalpina de Quinhentos; aliás, princeps fora um título de César, o último dictator e talvez o primeiro ditador. Reservamos a palavra dictator para o magistrado das emergências e “ditador” para o soberano ou equivalente. Os filósofos da política começam então a multiplicar os louvores ao dictator: os monárquicos por o poder de um só homem ser necessário em momento de crise e os republicanos por esse monarca ser um magistrado republicano. O monárquico francês Jean Bodin (1530-1596) usa os conceitos do Florentino: “o dictator não é um soberano”, embora forneça justificação diferente; é que o poder dele, sendo total, não é perpétuo nem lhe é próprio: “tem uma simples comissão para fazer a guerra ou reprimir a sedição ou reformar o Estado ou instituir novas magistraturas” (1576, II, 5); ainda assim, considera-o figura recomendável. Thomas Hobbes (1588-1679) estuda um monarca ao qual o povo deu o poder soberano e vitalício; o povo, se se reservou o direito de reunir em assembleia – e só neste caso –, pode “a qualquer momento retirar-lhe a coroa” (1642, VII, 16). Este “monarca temporário” é uma variante do dictator; a sua instituição não depende ainda de nenhuma ameaça interna ou externa, pois para Hobbes uma delas tem que estar na origem do soberano. Mais tarde, Hobbes esclarecerá que os “monarcas limitados”, nos quais inclui os electivos e os que não têm o direito de designar o sucessor, não são soberanos mas sim “ministros do soberano”. No tocante ao par soberano-dictator, Hobbes tem uma atitude comparável à de Bodin, mas este conserva a noção grega de “tirano” que, para aquele, é uma simples preferência subjectiva: “os que estão descontentes com a monarquia, chamam-lhe tirania” John Locke (1632-1704), o contratualista democrático, admite o dictator por “ordens públicas”: é o instituto da “prerogative” (prerrogativa), que autoriza a “discricionariedade” do executivo, o qual, então, age sem lei e “às vezes contra a lei”, pois o legislador não pode prever tudo; deve, porém, agir no interesse comum. Para ele, se o governo se dissolve, renasce o contrato social – mas não nasce o Nicolau Bento de Espinosa (1632-1677) considera o governo do dictator uma espécie de purga purificadora, indispensável à regeneração dos organismos políticos, mas qualifica-o de magistratura “muito desagradável aos bons cidadãos”; propõe a sua substituição por uma magistratura à veneziana, permanente e com uma pluralidade de titulares. A permanência evitaria as crises romanas. Os titulares seriam membros de uma assembleia de síndicos, eleita pela assembleia suprema, que “torne permanente a espada ditatorial e apenas ameaçadora para os maus”. É assim concretizada a recomendação de que “em caso algum a organização política confie absolutamente num só homem”, pois tal confiança “arruína a liberdade” (1677, cap. X, §1; X, §2; VII, §29). Espinosa condena o dictator individual mas louva o colectivo. Montesquieu (1689-1755), em De l’Esprit des Lois, é reticente às magistraturas com “um poder exorbitante”, como o dictator ou os “inquisidores de Estado venezianos”, os quais “reconduzem violentamente o Estado à liberdade” (1748, II, 3); nesta fase da obra, o dictator é exigido, não pela sedição ou pela ameaça externa, mas quando “a constituição do Estado é tal” que dele necessita – e no caso de Roma para “defender os restos da sua aristocracia contra o povo” (1748, II, 3); é com relutância que Montesquieu reconhece a necessidade sentida “pelos povos mais livres” de, em certas ocasiões, “colocar um véu sobre a liberdade, como quem esconde a estátua dos deuses” (1748, XII, 19). Parece apressada a leitura deste texto proposta por C. Schmitt, pois restringe-o ao attainder bill inglês, que é apenas um dos exemplos nele referidos (1964, p.143). Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), o defensor da democracia directa repristinada ou da sua imitação (a convenção, conselho, comuna, soviete ou assembleia eleita com mandato imperativo), aceita também o dictator e consagra- lhe um capítulo: é uma “importante comissão”, destinada a evitar “a perda do Estado”, necessária devido à “inflexibilidade da lei” – o velho argumento da imprevisão, referido por Espinosa, esquecido por Montesquieu – e “aos graves perigos que podem desequilibrar a ordem pública”; mas deve ser exercida num prazo curto, recomenda, invocando romanticamente Roma (1762, IV, 6). Para alguns, a “filosofia grega” (Sócrates, Platão, Aristóteles) é “inimiga encarniçada do povo e da democracia”, tendo por isso “despistado a filosofia ocidental” (Delacampagne, 2000, pp. 35 e ss). Mesmo considerando o panfletarismo da proposição, temos que reconhecer que ela é inaplicável aos gregos e à maioria da doutrina política herdada da Grécia, seja a herança medieval, renascentista ou pós- renascentista. Com efeito, antes do século XVI, o único defensor da tirania terá sido Xenofonte, mas será mais prudente tomar este tirano pelo titular singular da soberania, sem mais conotações negativas (Strauss, On Tyranny, 1948). Mas é verdade que todos os autores significativos de filosofia política do século XVI ao XVIII admitem ser vantajoso que a Constituição inclua o “estado de necessidade” – com a excepção, apenas aparente, de Hobbes, para quem a organização política, o Leviatã, é ela própria uma “estado de necessidade permanente”. Maquiavel, ao admitir o ditador “pela sua própria autoridade”, legitima-o ipso verbo. Mesmo Montesquieu, que antipatiza com o dictator, acaba por tolerá-lo. Rousseau aceita-o, talvez a contra-pêlo da sua intenção – tanto mais que confunde a natureza do prazo do dictator, que em Roma era fixo, com a sua brevidade –, e assim patrocina a alternância futura entre a democracia e a ditadura. Ora admitir o dictator equivale a aceitar a ditadura: um governo não representativo é bom desde que, no seu começo, invoque simultaneamente um alto motivo regenerador e o seu carácter temporário, ainda que sem prazo fixo. Estas duas invocações são insusceptíveis de avaliação processual, e por isso permitem a passagem do dictator ao ditador. O constitucionalismo da democracia representativa dará sintomas de registar aquela falha genética: receará sempre o “estado de emergência” por ver nele a via legal dictator renascido prepara a ditadura. O reconhecimento do tiranicídio enfraquece-a. Com efeito, se o direito do monarca injusto prevalece sobre o dos cidadãos, o tiranicídio não será legítimo; reconhecer o direito de matar o tirano é pôr à tirania um travão teórico e prático. Por isso, este reconhecimento é um indicador involuntário da recusa da ditadura como governo de violência. Ainda no século XVI, Shakespeare nobilitou os assassinos de César, mas não deixou de os condenar (Julius Caesar). Os grandes chefes protestantes operaram semelhante condenação. Foi o caso, em particular, de Martinho Lutero (1483-1546): pregou sempre a doutrina da submissão ao princípe, mesmo tirano, pois só a Deus e não ao povo cabia castigá-lo; apenas autorizava o tiranicídio no caso de o príncipe ser louco (Forell, 2002). Os luteranos permaneceram fiéis a esta doutrina que, tal como a de Hobbes mas com a antecedência de mais de um século, fazia equivaler o João Calvino (1509-1575) também recomenda o respeito pela autoridade, mas os seus sucessores vieram a tomar posições matizadas. O escocês John Knox sustentou a resistência activa ao poder. Eram calvinistas os monarcómacos protestantes franceses do século XVI (Vindiciae contra tyrannos, de Junius Brutus). Francisco Suarez (1548-1617), o “doutor exímio”, e a escolástica de Coimbra mantiveram a aprovação tomista do tiranicídio que o jesuíta Juan de Mariana (1537- 1624) defendera de modo espectacular. Contudo, a teologia católica – que desde sempre se dividira sobre o tema – condenaria o tiranicídio quase por unanimidade, pelo menos desde começos do século XVII. Assinalemos que Thomas Morus (1478-1535), na sua Utopia (1516), toma posição adversa ao tirano, indo ao ponto de defender que o rei candidato a tirano seja destituído na base da simples desconfiança: “o principado é vitalício a menos que o príncipe seja suspeito de aspirar à tirania” (cap. 2, “Dos magistrados”). Jean Bodin autoriza o tiranicídio no caso da usurpação, mas apenas para o usurpador que tenta e falha, não para o que triunfa – e rejeita-o se o rei for “tirano”, isto é, “cruel, extorsionário e mau” (1576, II, V). Espinosa sublinha que “um príncipe expõe-se a grandes perigos se tenta instaurar um regime pessoal absoluto” (1677, VII § 14); rejeita o tiranicídio porque quer uma república assente na liberdade e por supor esse acto susceptível de aumentar a convicção errada de que “a salvação depende de um só homem” (1677, Hobbes não autoriza qualquer desobediência à autoridade, pois “nenhum homem que tem poder soberano pode ser condenado à morte com justiça”, já que, “por virtude da própria instituição do soberano, qualquer sujeito é o autor dos actos e dos julgamentos desse mesmo soberano”; assim, se um súbdito “tentar depor o seu soberano e for morto, é o autor da sua própria condenação” (1651, II, cap. XVIII; no John Locke, contratualista como Hobbes, é prudente quanto ao tiranicídio: pergunta se um príncipe “pode ser desobedecido” e responde que “a força só pode ser oposta ao uso injusto e ilegal da força” (1690, XVIII, 204, 222). Porém, autoriza a desobediência às autoridades se estas “querem levar e destruir a propriedade do povo ou reduzi-lo à escravidão sob um poder arbitrário” pois, nesse caso, os governantes estariam no “estado de guerra com o povo” (1690, XIX, 222; III, 17). Locke evita a palavra “tiranicídio”, mas a condenação é clara. As teorias políticas do Estado moderno enfraquecem os princípios teóricos de resistência à tirania. Os únicos novos focos que lhe resistem são a tradição calvinista – melhor: parte dela –, a utopia optimista e o contratualismo de Locke. Subsistem antigos núcleos de resistência: a doutrina política católica, enfraquecida, e os herdeiros da monarquia de ordens, como Montesquieu. 5. A ditadura moderna nascera com os condottieri do Renascimento italiano, embora o “Despotismo Iluminado”, protegido pela sombra da legitimidade do título dos reis, fosse quanto ao exercício a primeira ditadura – educativa e optimista, mas ditadura. A ditadura sem o alibi de um título real e num grande espaço político emerge com a Revolução Francesa. Com efeito, após a execução do Rei Luís XVI, a França é dominada pela Convenção, através do Comité de Salvação Pública (Outubro de 1793). O “Terror” foi uma ditadura – ou um totalitarismo, não vem agora ao caso – , exercida pela Assembleia e não pelo monarca; foi justificado como um “estado de necessidade”, mas também como uma democracia: esta só podia ser exercida à esquerda pelos democratas, devendo os outros cidadãos submeter-se-lhe sem condições. Era assim estabelecida a promiscuidade entre a democracia e a ditadura. Os jacobinos convencionais tinham temido a ditadura; acabaram por ter o que receavam. No 18 de Brumário do ano VIII (9 de Novembro de 1799), Napoleão Bonaparte, um general prestigiado pela campanha de Itália, cerca o poder legislativo. Tal como César, far-se-á legitimar pelo voto plebiscitário, apoiar-se-á no povo contra os antigos notáveis e instituirá um novo regime a que chamará Império. É uma ditadura que parece ser de direita, concretizada a partir do executivo. Napoleão sucede a César como “o ditador”. Goethe, Heine e Nietzsche, entre tantos outros intelectuais e artistas, glorificaram-no. A ditadura solidifica-se com a Revolução Francesa; a palavra começa então a ser usada pelos monárquicos contra o Terror. Quatro autores serão fundamentais na sua teorização: Hegel, Comte, Marx e Nietzsche. G. F. W. Hegel (1770-1831) considerou Napoleão a incarnação do Estado “universal e homogéneo”, que seria “o fim da história”, no duplo sentido de conclusão e de objectivo; a 13 de Outubro de 1806, escreveu numa carta ao seu amigo Niethammer: “vi o Imperador – este espírito-Mundo – sair da cidade [de Iena] em viagem de reconhecimento; é de facto uma sensação maravilhosa ver um tal indivíduo que, aqui concentrado num ponto, se estende sobre todo o mundo e o A convicção hegeliana, de que “o real é racional” e “o Estado é o passo de Deus no mundo”, levou muitos dos seus discípulos a considerarem que qualquer ditadura triunfante era, ipso facto, legitimada pela história. Auguste Comte (1798-1857), ao invés de Hegel, tinha Napoleão por “supersticioso” e enganado quanto ao mundo, por não ter compreendido que o militarismo teológico fora ultrapassado pela ciência e pela indústria; e distinguia as ditaduras reaccionárias, militaristas e teológicas, das progressivas, que trariam o Estado científico e permitiriam o livre debate das ideias (1851-1854, tomos II e III). Um exemplo de ditador comteano é José Gaspar Rodriguez de Francia (1766-1840), o instituidor do Paraguai moderno, imortalizado por Roa Bastos no excelente romance Yo el Supremo (1983). Ainda que involuntariamente, Comte influenciou também a Action Française e, assim, fundamentou numerosas organizações políticas Karl Marx (1818-1883) foi buscar ao século XVIII a noção de ditadura educativa, e a Hegel a ideia de que a “razão universal” incarna numa instituição para estabelecer a “ditadura do proletariado”; usou a expressão pela primeira vez numa carta de 5 de Março de 1852, após o golpe de Luís Napoleão Bonaparte; elogia a “ditadura revolucionária do proletariado” sob o impulso da Comuna de Paris, tomando-a pela “fase de transição política” entre a “sociedade capitalista” e a “comunista” (1875). A “transição” remetia para o dictator romano, pois equivalia – ou parecia equivaler – a um prazo dado à nascença. “Infelizmente, Marx omitiu a especificação mais exacta do que concebia desta ditadura”, comentaria Karl Kautsky (1918). O conceito de ditadura do proletariado era equívoco; V. I. Lenine (1870-1924) começou por recusá-lo; mais tarde, os bolcheviques russos, inspirados nos jacobinos franceses, transformaram-no numa ditadura de partido único e fizeram dele a linha de partilha de águas entre eles próprios, revolucionários, e a social-democracia alemã, “reformista”, por ter aceite a democracia parlamentar como via para o socialismo (Aron, 2002, p.539). Sempre em veia hegeliana, a ditadura do partido único foi depois transformada em ditadura do secretário-geral. A teoria marxista, tal como as pós-renascentistas, é optimista, ao menos por acreditar que o homem é susceptivel de ser aperfeiçoado. Friedrich Nietzsche (1844- 1900) faz uma análise pessimista da sociedade baseada na desigualdade individual e racial, inata, intransmissível e incorrigível (Assim Falava Zaratrusta); será para o fascismo e o nazismo o que Marx foi para o comunismo. Aquele pessimismo produzia coincidências com o agostinianismo político, para o qual o pecado original justifica a desconfiança em relação à vida social do homem. Fora esta a posição de Lutero. O escritor russo Fiodor Dostoievski (1842-1881) desenvolveu também um pessimismo de enraizada numa relação tensa com o cristianismo; no apólogo do Grande Inquisidor, sustenta: “Cristo deve ser punido pois, ao rejeitar as tentações, sacrifica o pão dos homens a uma liberdade elitista que não está ao alcance da maioria deles” (1879- 1880, 2ª parte, V, 5). Porque os homens são maus, o ditador é bom. Séculos antes e em veia libertária, La Boétie (c. 1548; 1576), um jovem amigo de Montaigne, sustentara que o tirano existe por os homens quererem ser servos e precisarem de 6. No século XIX impôs-se, em particular no continente europeu, uma teoria da democracia parlamentar que sintetizava, como podia, as inconciliáveis teorias de Montesquieu e de Rousseau: os eleitores escolhiam livremente os seus representantes, dotados de um mandato deliberativo, como queria Charles-Louis de Secondat, e impunham a sua vontade, como agradava ao Genebrino, ainda que apenas no acto eleitoral tivessem ocasião de fazer tal imposição. No começo do século XX, Moisés Ostrogorski (1892) e Robert Michels (1911), os primeiros analistas dos partidos políticos, descobriram um novo ditador no coração da democracia representativa: o chefe do partido era sempre um ditador. A descoberta abalava a teoria clássica da democracia: uma sucessão de ditaduras jamais seria uma democracia. No entanto, abria caminho à concepção da ditadura como monopólio do poder e à da democracia como concorrência oligopolista. Max Weber labora neste terreno; a autoridade carismática, uma das figuras da sua sociologia da dominação, foi usada para pensar a ditadura assente na personalidade singular do ditador; outras figuras daquela sociologia permitiam pensar diferentes formas de ditadura: assim, o patrimonialismo tradicional concretizar-se-ia na ditadura militar e no sultanismo (1964, pp.392 e ss). Em 1917, Weber defenderá que, na sociedade moderna, os dirigentes politicos democráticos devem ser escolhidos de um modo cesarista-plebiscitário (Mommsen, 1984, pp. 186-189, 353 e ss); esta conclusão respondia às averiguações do seu aluno Michels. Porém, para os homens formados na síntese liberal-jacobina do Estado, a democracia cesarista parecia (e continuaria a parecer) uma ditadura. 7. Estamos agora em condições de definir a ditadura moderna, a que é exercida “pela sua própria autoridade” (Maquiavel). A ditadura moderna rejeita o tema do regime justo e vê-se como legítima mesmo que, ao contrário do dictator, não se dê um prazo pré-estabelecido para realizar o seu programa; dispensa a representação. Assenta na ilusão de que o homem não se liberta a si próprio: é libertado por outros ou é insusceptível de se ir No terreno da justificação, Carl Schmitt sustentou que a ditadura soberana “invoca o pouvoir constituant o qual não pode ser suprimido por nenhuma Constituição oposta” (1964; p. 185). O “poder constituinte”, a noção de Sieyès, nos precisos termos em que Schmitt a convoca, não fundamenta, porém, a ditadura: apenas justifica o derrube do regime anterior (do regime “constituído”) num momento “constituinte”, mas neste momento se esgota, sem nunca legitimar o novo regime instituído, por sua vez susceptível de ser derrubado, num novo momento “constituinte”. O regime constituído, saído do “poder constituinte”, só é válido se for conforme a princípios que Sieyès enuncia (1789) e Schmitt omite. Ainda no terreno da justificação, a ditadura é o regime das organizações políticas pobres (Zakaria, 2003). A afirmação é desmentida pelo caso da Índia, um país pobre que é a maior democracia representativa do mundo. Devemos afastar algumas definições correntes de ditadura. Rejeitámos acima as negativas, a mais frequente das quais é baseada na ausência de separação de poderes, tal como são configurados no parlamentarismo; são uma petição de princípio pois não provam que essa separação de poderes seja a única aceitável; conduzem a absurdos, como categorizar o regime presidencial à americana como O ditador “arrowiano”, que impõe a sua escala de preferência a terceiros, é uma noção demasiado geral e abstracta para ser útil no plano institucional (Arrow, 1967). Acresce, como observa Espinosa, arredando as definições psicologistas, que “o poderio de um homem é incapaz” de exercer “o poder supremo na cidade”, pelo que o autocrata “entrega a salvação comum e a sua própria” aos “conselheiros ou Carl Schmitt afirmava que, “politicamente”, ditadura era “o poder estatal que se realiza de maneira imediata, quer dizer, sem mediação de instâncias intermédias independentes”, em termos paralelos aos que popôs para a suposta ditadura medieval, acima comentada (1964, p.179). Esta definição, porém, confunde centralismo e ditadura. O Estado francês da III República era centralista mas não era uma ditadura: havia eleições livres, imprensa e tribunais independentes. Schmitt refere ainda que ditadura designa qualquer regime assente na disciplina semelhante à de um Exército. É este um do sentidos comuns da palavra, que a identifica com disciplina férrea. Porém, uma ditadura pode tolerar uma generalizada indisciplina social, desde que não atinja o Estado – caso do regime militar brasileiro dos anos 1960 –, e uma democracia pode ser muito disciplinar, desde que não atinja a liberdade – caso da V República francesa, também nos anos 1960. Acresce que a definição encara apenas a acção do Estado ditatorial sobre um dado tipo de relações sociais, as disciplinares. É frequente a definição de ditadura como poder pessoal. Esta caracterização é a herança dos ditadores, de César e de Bonaparte. Há porém ditaduras impessoais e sem ditador personificado; é o caso, entre outros, da brasileira (1964), cujo sujeito era a instituição castrense, a qual nunca autorizou um general a sobressair dos demais. O poder tem sempre um elemento pessoal e discricionário – pois, quando é simples administração de coisas ou de relações sociais tidas por incontestáveis, basta-lhe a lei, sendo desnecessário que uma lei organize uma chefia. A suposta pessoalidade da ditadura reconduz-se à violência, como a seguir veremos. Muitos autores julgam explicar a ditadura em função do conflito social e económico muito agudo em que emergiu. Nos anos 1920, Antonio Gramsci, um dirigente do Partido Comunista italiano, categorizou Mussolini como um “César moderno”. No cesarismo, “uma grande personalidade recebe a tarefa de arbitrar uma situação histórico-política caracterizada pelo equilíbrio de forças, tendendo para a catástrofe” (1921-1926, pp.219-20). Esta específica noção de arbitragem era a generalização da análise que K. Marx tinha feito da ditadura de Napoleão III (1871), e a categoria de “equilíbrio catastrófico”, embora mais descritiva do que explicativa, era visual e teve grande sucesso, em particular entre marxistas. A arbitragem pressupunha que o ditador fosse mais favorável aos grupos sociais dominados no ancien régime da ditadura. Aliás, a aliança do ditador com os trabalhadores contra os proprietários vinha da Hélade – “todos os tiranos [gregos] fizeram guerra aos ricos”, escreve o clássico Fustel de Coulanges (1864, p. 404); tivera depois, como vimos, um afloramento brilhante em Júlio César; Napoleão Bonaparte imitara-a; seria mais tarde repetida: Napoleão III em França, Mussolini em Itália, Primo de Rivera em Espanha; Salazar não a enjeitava e afirmara, a 28 de Maio de 1930, que “as ditaduras se têm mostrado singularmente activas no desenvolvimento de legislação e de instituições que vão elevando as condições de O argumento arbitral não colhe, porém, pois a Inglaterra, os países escandinavos, a Suíça e os Estados Unidos foram sempre democracias representativas, apesar de terem atravessado crises sociais e económicas de profundidade, pelo menos idênticas às que noutras sociedades originaram as Outras definições ligam a ditadura à liberdade e aos direitos. A Freedom House publica, desde os anos 1970, listas de países livres, parcialmente livres e sem liberdade. A classificação depende de dois critérios: a participação política e os direitos individuais; estes critérios são a liberdade dos romanos e a dos modernos, respectivamente, nas palavras de Benjamin Constant (1814). Para lá da dificuldade de articulação entre ambos, este conceito de ditadura falha porque os autores não querem identificar o pluralismo com instituições atlânticas, acabando por alargá-lo Estamos agora em condições de definir a ditadura; ela é o regime político em que o elemento permanente da instituição Estado se impõe ao flutuante; o elemento permanente – o rei, os funcionários, os “políticos” – substitui-se ao flutuante, formado pelos cidadãos, na tomada de decisões relativas ao conjunto da própria instituição Estado e às relações dentro do “triângulo institucional”. O “triângulo institucional” inclui, além do Estado, as Igrejas e as Forças Armadas. A ditadura respeita a organização interna das duas outras instituições e este respeito implica um mínimo de protecção dos direitos da pessoa. (Matos, O Estado de Ordens, Contrastemos a ditadura com o totalitarismo. Ambos se assemelham, pois têm práticas e instituições comuns, ou que parecem comuns: o assassinato e a tortura dos cidadãos; o domínio estatal da comunicação social; a propaganda do chefe; a teatralização do poder. As diferenças, porém, são profundas. O totalitarismo consiste na destruição do “triângulo institucional” e das ordens que o estruturam devido à acção de uma delas – ao passo que a ditadura conserva as instituições triangulares, mas anula a relevância política do seu elemento flutuante, impedindo-o de rejeitar – e em certos casos de escolher – os dirigentes do elemento permanente. A Alemanha nazi e a Urss eram totalitarismos. O fascismo italiano antes da República de Saló, o “Estado Novo” português e o brasileiro, o regime do general Franco, em Espanha, eram ditaduras. As ditaduras são de intensidade variável; vimos que S. Tomás distinguia as “brandas” das restantes; algumas aproximam-se da completa substituição dos cidadãos – violando mais direitos individuais ou violando-os mais gravemente. Anotemos que índices como o já citado da Freedom House quantificam a gravidade das ditaduras de modo impressivo, ainda que sem rigor teórico. A ditadura é por natureza instável, como a seguir veremos, e uma mesma ditadura será mais ou menos repressiva, consoante a conjuntura – embora a ditadura seja por natureza preventiva, pois procura prevenir o exercício dos direitos políticos. A diferença entre ditadura e totalitarismo é de género e não de quantidade. A ditadura militar, logo receada pelos jacobinos, é, em comparação com a civil, um passo mais na direcção do totalitarismo, pois submete a instituição Estado à castrense, deixando a margem de pluralismo restrita à instituição simbólica (a Igreja Explicitemos a definição de ditadura. O regime fundador da instituição Estado respeita sempre a autonomia do elemento flutuante pois, a ter resultado de um acto de força, a maioria teria estado submetida à minoria desde o começo; por isso, a ditadura nunca é um regime fundador. Não o sendo, tem que ser imposta. Esta imposição implica uma violência pós-fundacional contra os cidadãos – contra a maioria deles – pois, a ter havido transferência voluntária, unânime e pacífica de poderes do elemento flutuante para o permanente, teria havido um governo de “união sagrada” que teria tornado a ditadura desnecessária. A ditadura tem, assim, uma relação peculiar com a violência; sacrifica por necessidade os direitos dos homens pois tem, por definição, que substituir a violência à força. Por isso, ao pretender durar, sente a falta de legitimidade. Aristóteles já tinha notado que “tanto a oligarquia como a tirania são os mais fugazes de todos os regimes” (1998, 1315b) e S. Tomás de Aquino sublinhara essa anotação (1937, I, X) Além da falta de legitimidade, uma outra razão determina que a ditadura seja violenta e breve: ela é por necessidade um programa de Governo ao passo que um regime é um processo de tomada de decisão que permite um número n de programas de governo. M. Oakeshott considera que uma organização política não pode ter um objectivo (um Zweck) sob pena de se tornar uma ditadura (1975). A tese é, no entanto, inexacta, pois uma organização política democrática tem um número infinito de fins potenciais cuja concretização, à partida reconhecida como temporária, depende de processos pré-regulados e pacíficos, respeitando em todos os casos os direitos das pessoas, incluindo os direitos adquiridos. O carácter monoprogramático da ditadura obriga-a a ser instável na execução – e o seu défice de legitimidade torna-a instável por estrutura. A ditadura é um regime no qual o poder é monopólio do elemento permanente da instituição Estado, ou de parte dele; por isso não há concorrência na definição de políticas nem na escolha dos titulares do poder (Schumpeter, 1942). Colocada nestes termos, a noção de ditadura é aparentável à que J. Linz propõe para o autoritarismo, contrapondo-o ao totalitarismo: um pluralismo limitado, sem ideologia directora sistemática e com uma vontade mobilizadora das massas apenas esporádica (Linz, Falta de concorrência é falta de transparência; na metáfora do “Pan Opticon” (“visão total”), de J. Bentham (1748-1832), o guarda está no centro da
penitenciária circular e vê os presos que, por sua vez, não podem vê-lo. O guarda – o O principal indicador exterior de ditadura é a impossibilidade efectiva de os cidadãos mudarem de Governo ou de regime do Estado por meios legais e pacíficos; se a lei autorizar as mudanças e os factos as desmentirem, devemos acreditar nos factos, pois há numerosas constituições que se proclamam não-ditatoriais sendo-o, de facto. Contudo, num dado caso, pode faltar a alternância e não haver ditadura – por os cidadãos preferirem, em liberdade, uma dada orientação. Absolutismo; Autarquia; Autonomia; Constituição; Democracia; Justiça
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